Gratefuldeadianamente!!!

quarta-feira, 9 de abril de 2008



O grupo de rock mais metralhado pela crítica musical brasileira supostamente especializada. Essa é a característica primeira do Engenheiros do Hawaii, banda gaúcha formada no início dos anos 80, dentro do anti-movimento musical mais importante daquela década, apelidado de BRock.

A execração da imprensa, porém, sempre encontrou repouso aveludado no colo de Humberto Gessinger, mentor intelectual e compositor de praticamente todas as canções do Engenheiros. Sozinho, o músico garantiu a existência da banda por mais de vinte anos.

Em 1994, quando Augusto Licks deixou o Engenheiros, Gessinger se responsabilizou pela convocação de Fernando Deluqui, eterno guitarrista do RPM, além de Gil Lopes, também na guitarra, e o tecladista Paolo Casarin, que tocou com os grupos Garotos da Rua e Bixo da Seda, escalação histórica do rock gaúcho dos anos 70. Essa formação durou apenas um disco, ´Simples de Coração´, de 95.

No ano seguinte, um novo projeto marcou a despedida de Carlos Maltz da bateria dos Engenheiros do Hawaii. Humberto Gessinger havia embarcado na concepção do álbum ´Gessinger Trio´.

´Minuano´, de 97, um suposto novo marco-zero na trajetória do grupo, trazia como convocados o baterista Adal Fonseca e Luciano Granja na guitarra (ambos remanescentes do supracitado ´Gessinger Trio´), mais o tecladista Lúcio Dorfman.

Atualmente assessorado por Paulinho Galvão (guitarra e violões), Bernardo Fonseca (baixo) e Glaucio Ayala (bateria e percussão), Humberto, que trocou o ofício de baixista pelo de guitarrista, lança ´Surfando Karmas & DNA´, ainda sob o pseudônimo Engenheiros do Hawaii.

O mtv.uol.com.br conversou com o confuso e sorridente roqueiro gaúcho sobre mudanças de formação, fãs, cantar e compor, Lobão e diversas outras coisas que, como você bem sabe, estão logo abaixo.

mtv.uol.com.br - Para você, qual a diferença básica entre a primeira formação do Engenheiros do Hawaii e a atual?
Humberto Gessinger -
Entre a primeira e a quinta? (risos) Acho que cada cara que entrou trouxe sua coloração. Mas, em termos de composição não mudou muita coisa. Das três primeiras para agora, a diferença básica é que ao invés de um trio, virou um quarteto. Parece um detalhe, mas ter duas guitarras muda muito para quem trabalha com banda.

mtv.uol.com.br - E a volta da parceria entre você e o ex-baterista dos Engenheiros, Carlos Maltz?
Humberto Gessinger -
A gente já fez duas canções juntos. No ano passado participei da gravação do disco do Carlos, chamado ´Farinha do Mesmo Saco´. Agora, ele vai abrir alguns shows nossos, vamos cantar algumas músicas juntos. O Carlos tem uma relação bem interessante com música. Eu aprendo muito, porque a música representa coisas diferentes para mim e para ele. A primeira canção que a gente compôs ( ´e-Stória´) surgiu a partir de um diálogo que a gente teve por e-mail que eu acabei musicando. A segunda pintou nesse mesmo esquema, trocando trechos pela internet. Tenho gostado cada vez mais de compor com outras pessoas. No disco, tem três composições minhas ao lado do Paulinho Galvão (guitarrista do Engenheiros). Acho que, quando tu compões com outros caras, rola uma tensão. Têm umas cagadas que você só tem coragem de fazer quando está sozinho. Quando tem uma parceria, a coisa fica mais séria.

mtv.uol.com.br - Você e o Maltz conversam mesmo na linguagem com que você escreve suas letras?
Humberto Gessinger -
Tem um lance interessante. A gente estudava arquitetura juntos, somos gaúchos, então tem coisas que só fazem sentido entre a gente. Por exemplo, o nome da banda só eu e ele entendemos, na profundidade, o que quer dizer. Não dá pra explicar. A maneira como a gente fala as coisas, tipo: "Esse negócio é uma merda!" A gente tá querendo dizer que o negócio é bom, entendeu, cara? Nisso, eu sinto que a gente se entende. Ficamos seis anos sem falar nem "oi" um pro outro, depois voltamos a conversar e parecia que fazia pouco tempo que a gente não se via. Tem muito a ver com o lance da gente ter estudado junto na mesma escola.

mtv.uol.com.br - Como os fãs reagem às cada vez mais constantes trocas na formação do Engenheiros do Hawaii?
Humberto Gessinger -
Pô, fã é sempre superconservador. Eles não querem saber de mudanças. Eu também sou assim com meus ídolos, mas a vida real é diferente. Agora, isso já virou um ritmo dos Engenheiros, e isso também é um saco, porque tem gente que vira e fala: "E aí, qual vai ser a próxima formação?" Assim como antes reagiam, agora começam a pedir que se continue dessa forma. O que é engraçado, como tem várias gerações de fãs, é que existe o cara que acompanha desde o primeiro disco e os que acompanham há pouco tempo, essa informação de o que é a banda se perde um pouco. Eu, que sou da banda, demorei um pouco para entender essa corrupção do tempo. É como se alguém esmagasse o relógio. Agora, se tornou uma coisa relativa, que eu até acho divertida. O cara que começou a ouvir os Engenheiros em 95 acha que ´Simples de Coração´ é o primeiro disco da banda. E, no fundo, ele tem razão. Quem sou eu para dizer se os Beatles são os de 63 ou os de 70. Tem horas que eu acho ´Elvis in Las Vegas´ o melhor de todos, em outras prefiro ele no serviço (militar). Tem isso com as bandas cover dos Engenheiros: tem caras que são cover de uma fase, outros são de outra. Como se fosse Beatles. Covers cabeludos e covers de terninho (risos). Na verdade, uma banda serve para as pessoas conversarem e discutirem sobre a vida, foda-se.

mtv.uol.com.br - A sua maneira de construir as canções mudou muito, inclusive com a exclusão das frases sobrepostas e diversos recursos de estúdio. Isso seria, de alguma forma, um sinônimo de maturidade musical?
Humberto Gessinger -
Maturidade não, porque eu estou bem mais imbecil do que era antes. Quando comecei, sabia muito mais do que sei agora. Tu montas uma manda, faz arquitetura, começa a viajar, e, quando vês, já tá no mainstream. De repente, você está em rede nacional, e começa a ficar com medo de jogar com ironia. O Brasil é um país muito ignorante para essas coisas. Mas, agora, me sinto com a mesma responsabilidade que tinha no início. Eu quebrei esse lance. Não vejo mais os Engenheiros como um produto que tem que lançar um disco a cada ano. A banda existe meio gratefuldeadianamente, viu cara? Gratefuldeadianamente é bom! (risos) Mas é meio assim: as pessoas que viajam com os shows do Engenheiros acabaram tornando isso uma família, o que nos liberta da coisa de produto sazonal. É como no começo, porque somos inteiramente responsáveis pelos discos. Saímos do mainstream, que no Brasil é extremamente lento e careta. A imprensa cultural brasileira é perigosa, me assusta.

mtv.uol.com.br - Qual sua explicação para a fidelidade dos fãs do Engenheiros do Hawaii?
Humberto Gessinger -
Sabe, fiz tudo de errado que eu podia fazer. Não era para ter mais ninguém ouvindo os Engenheiros. Acho que esse lado humano acaba atraindo a garotada. A gente nunca sabe o que vem pela frente, o que é um negócio que é meio como a vida. A gente não é uma banda nem pop nem rock, definitivamente não é mainstream, e acho que é isso que acaba atraindo. O negócio de ser frágil, né cara? É meio cowboy, no sentido de estar sempre dois anos adiantado ou dois anos atrasados em relação à onda do momento. O Engenheiros caminha meio como o Rivaldo, com as pernas arqueadas. Talvez seja uma visão heróica demais, mas é a que eu encontro para explicar a razão de tanta gente legal gostar da banda. Vejo os sites sobre a banda e fico assustado. Me emociona o nível de carinho, devoção dessa galera e a profundidade do respeito que eles têm pela banda. Fomos uma banda muito massacrada pela crítica e por muito tempo foi difícil chegar até o público. Esse filtro da mídia é um saco. Mesmo assim, a gente conseguiu cativar uma galera e agora é mais fácil, criou-se uma cultura engenheirana e eles sabem até como ler as matérias que saem sobre a gente. Isso é muito legal, é meio uma camaradagem.

mtv.uol.com.br - Vi uma entrevista na TV em que o Lobão falava mal de vários músicos de sua geração, menos de você. Na ocasião, ele disse: "Eu gosto do Humberto porque ele é um cara que acredita na música que faz". O que você acha que significa acreditar na música que faz?
Humberto Gessinger -
(risos) Acho que acreditar todo muito acredita. Nem que seja para ganhar dinheiro, sei lá. Acho que o Lobão quis dizer que eu sou teimoso. Acho que é isso, cara. É fundamental na arte. Minha avó tinha uma frase que é assim: "Forno aberto não assa pão". E acho que é isso. O mundo pode estar te dando porrada, mas você tem que se fechar para ele. É como elogiar o Felipão (técnico da seleção brasileira de futebol) porque ele é teimoso. Na arte, escrever na primeira pessoa não é fascismo. Eu escrevo na primeira pessoa e o Lobão também. Deve ser isso. Ou, talvez, o Lobão estivesse brincando (risos).

mtv.uol.com.br - Por quê você trocou o baixo pela guitarra?
Humberto Gessinger -
É outro erro. Eu jamais acreditaria numa banda onde o vocalista, no primeiro disco, troca a guitarra pelo baixo e, no décimo terceiro, o baixo novamente pela guitarra. Eu sou completamente a favor dos fãs que ficaram me xingando por causa disso. Mas eu me vejo mais como compositor, cara. Adoro tocar e odeio cantar. Gostaria de ser um músico. Adoraria ser o Jeff Beck. Trocaria dez anos da minha vida por um dia na do Jeff Beck. Não é minha onda ser cantor nem instrumentista. Eu vi um DVD do Neil Young em que ele está sozinho e, no palco, tem piano, órgão, piano de cauda e dez violões. O cara vai escolhendo canções a esmo e tocando os instrumentos de acordo com a música. Acho isso genial. A gente vive num mundo muito especializado. Tu se especializa num instrumento: música pop, música pop pesada americana. Quando você vê, está discutindo a diferença entre uma guitarra semi-acústica e uma guitarra sólida. O que aconteceu com o contra-baixo foi que, quando percebi, estava bem bundão. Estava meio que querendo aprender a tocar, o que me deixou muito irritado. Tipo um velho tocando baixo. Com guitarra é legal porque eu toco procurando as notas, meio como o Neil Young toca até hoje. Eu estava com medo de aprender a tocar aquela porra, eu acho.

mtv.uol.com.br - Você disse que não gosta de cantar, mas no palco canta cheio de trejeitos e faz uso de diversos recursos vocais É
Humberto Gessinger -
Eu tiro minha bunda da seringa, na verdade. Minha única maneira de encarar o palco e cantar é me emocionando com a coisa. Não sou um cantor técnico que diz "manda aí, dá o tom". No primeiro show dos Engenheiros do Hawaii, ainda na faculdade de arquitetura, era para cada um cantar uma música. A gente chegou no camarim e um por vez foi abrindo mão de cantar sua música, sei lá por quê. Quando vi, já estava cantando e compondo. O que quero dizer é que Bob Dylan e Zé Ramalho cantam pra caralho. Não gosto de ver o Ed Motta, por exemplo. Bel canto, tô fora!

mtv.uol.com.br - As bandas brasileiras usam e abusam das regravações, sejam referentes à Jovem Guarda, Tropicália ou qualquer outra época. O Engenheiros não. Existe uma razão especial para isso?
Humberto Gessinger -
Eu não me vejo como um intérprete. Para cantar uma música de alguém, tem que significar alguma coisa para mim, como ´Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones´. Pior que, quando a gente gravou era ridículo tocar coisas da Jovem Guarda. Ao contrário de prepotentência, é um lance de humildade. Em treze discos acho que foram 11 ou 12 (canções de outros autores). Não sou de ficar catando repertório. Meu negócio é autoral.

mtv.uol.com.br - Você sempre compõe baseado em alguma citações literárias, como "a dúvida é o preço da pureza", retirado da obra ´O Muro´, do filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre, e inserida na canção ´A Revolta do Dândis´. Como acontece a escolha dessas frases de efeito?
Humberto Gessinger -
Eu leio muito. O lance da citação, na verdade, dependendo do contexto, não quer dizer exatamente o que está dizendo. Tu podes descontextualizar ela. Por exemplo, eu sou fascinado pela cravelha de afinar instrumentos. Comprei várias delas e colei na correia da guitarra. Como é um lugar inusitado para se ter uma cravelha, fica meio que um quadro cubista. O lance da citação não tem receitas, como utilizar algumas palavras de ordem. Aliás, as palavras de ordem que criei são o contrário. São como uma cobra mordendo o próprio rabo, ouça o que eu digo, não ouça ninguém. A citação serve mais para sublinhar um estado de espírito. Eu não acho que seja racional o trabalho dos Engenheiros. Eu invento explicação para dar em entrevista, falar na televisão.

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