No blog que me trouxe até aqui, HG me dava a Razão...

domingo, 15 de junho de 2008

"Me espanta que tanta gente sinta (Se é que sente) E minta, descaradamente, da mesma forma"

Outro dia chegou o zine Midsummer Madness com várias matérias com as bandas do selo (é só nego trabalhar na MTV que sai de lá todo corporativista) e um editorial brilhante do velho Lariú. Basicamente, tratava de como a mídia entendia errado a proposta de gente disposta a fazer rock no Brasil cantando em inglês. Dizia o texto que o povo do Midsummer adorava o Brasil, suas praias e suas mulheres e que todo mundo deveria ter liberdade de fazer o que quisesse, artisticamente falando, e que todo mundo deveria intentar abrir um mercado que amparasse essas manifestações diversas. Dizia também que se ele sonhasse em ser inglês ele já teria se pirulitado daqui. Jóia.

Aí voltei pra casa ouvindo aquela caixa dos Engenheiros do Hawaii, Infinita Highwaii, e resolvi começar por um disco que não conheci na época, aquele Gessinger, Licks & Maltz, que abre com Ninguém = Ninguém. "Há tantos quadros na parede/ há tantas formas de se ver o mesmo quadro/ me espanta que tanta gente sinta, se é que sente, a mesma indiferença". Céus, Gessinger e Lariú falam da mesma coisa!

Já escrevi (e defendo como mola-mestra do meu trabalho) sobre o absurdo de meia-dúzia de "abençoados" representar com seu trabalho 160 milhões de brasileiros, um país de proporções continentais, com uma variedade de costumes, hábitos e gostos absurdamente diferentes. Por razões que esta coluna não comporta explicar, todos esses artistas "abençoados" são baianos, cantam o mar, a canoa, a mulher bronzeada, vivem tomando sombra de palmeiras, e costumam rimar "coqueiro" com "da-da-ero-ero-ero" e "mulatinha" com "de-pa-da-da-dada-inha". Pra cima disso, a música brasileira vira música estrangeira, pra baixo, vira música colonizada.

Música brasileira, "legítima", é Dorival Caymmi, pouco importando que ele só apareça na nossa história em 1938, pelas mãos de Almirante, num filme de João de Barro, gravado por Carmen Miranda, todos devidamente "limados" da história da música brasileira (com exceção de Carmen, mito alimentado pelo interesse do exterior). "Limados" como foram limados Luiz Gonzaga, o vanerão gaúcho, o chorinho, o movimento Black Rio, Paulo Diniz, Carlos Dafé e Banda Veneno, como limaram Adoniran Barbosa (tão importante quanto Caymmi), como limaram Dick Farney e Johny Alf (que tiveram a paternidade da bossa-nova roubada pelo b-a-i-a-n-o João Gilberto). Limados, como Gil e Caetano limaram todos os não-baianos dos 30 Anos de Tropicália e do disco Tropicália 2. O fato de todas as crianças do país estarem dançando feito vadias no cio à sombra de Carla Perez é só o exemplo mais aberrativo desse processo.

Gessinger sabe muito bem que a música pop é o canal perfeito para esse tipo de contestação. Ele entendeu isso regravando Incríveis, Gaúcho da Fronteira, provocando a ordem estabelecida e o bom gosto vigente com suas aliterações de dar frio na espinha do Pasquale. O Jota Quest também poderia ajudar a segurar essa bandeira, se fosse mais fundo na sua opção black music (que, parece, ficou a cargo de Wilson Sideral), Júpiter Maçã levantando a bola de Sérgio Mendes também pode nos fazer um grande favor. Ou mesmo um grupo de Maceió chamado Mopho, fanático por Sá, Rodrix & Guarabyra.

No entanto, o que se vê ainda é esse poder de transformação ser, ano após ano, cooptado pelo establishment tropicalista, os "baianos que gostam de aparecer na TV", como diria Paulo Francis. E os "roqueiros", em suas poses de malvados, trocam a verdadeira revolução pelos penduricalhos modernos, como samplers e palavrões.

A "democracia" brasileira é essa, faça o que quiser fazer, desde que não isso não mude nada. A estética herdada do rock, de Elvis, Beatles, Led Zeppelin, Clash, New Order não pode concordar com isso. Gessinger sempre teve razão, nós é que não notamos antes.

Ricardo Alexandre
É repórter cultural e crítico de música - e de televisão (embora finja que não) - do jornal O Estado de São Paulo. Já publicou nas principais revistas de cultura pop do país, além de editar, no Estadão, a sua própria revista: o Caderno Z, dedicada à cultura alternativa. No momento, faz a reportagem e redação de seu primeiro livro, Dias de Luta, O Pop e O Brasil dos Anos 80 e trabalha em projetos para a dominação do mundo. Tipo Pink e Cérebro - só que ele não polariza qualidades e tem tanto seu lado Pink (é a cara do Samuel Rosa) quanto o Cérebro (foi o último cara a entrevistar Renato Russo).

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